Por dentro do Casulo

Cocoon by Krzyzanowski Art. Imagem que ilustrou o texto original nomeado “Casulo”, tempos atrás.

Eis que crio um amontoado de artes, e quando as conecto, percebo que suas conexões refletem a mim mesma nos últimos anos.”

Assim começa o texto que conecta o fluxo de obras que associei ao tema “casulo”. Todas elas estão, de alguma forma, relacionadas ao sentimento de estagnação e sufocamento que sinto nos últimos anos da minha vida.

Para alguém que já sabia há tempos sobre como arte reflete nosso interior, sobre o potencial terapêutico e expressivo dessa ferramenta, e que vivia falando sobre isso… Ter sacado como algumas obras e ideias que eu tive nesse período mostravam esse aspecto foi um tanto quanto

ridículo.

Sabe aquela sensação de ter finalmente encontrado uma resposta, algo que fez aquele “click”, que poderia te tirar do atoleiro e enfim fazer a vida seguir em frente… E ao mesmo tempo ser algo tão óbvio, tão escancarado na tua cara?

Pois bem, cá estou eu lidando com esse momento de “eureka-dã” e arregaçando as mangas pra botar nos trilhos as respostas que eu já tinha e não sabia. Neste post vou destrinchar um pouco dos processos criativos por trás dessa nova experimentação que estou desenvolvendo e que se inaugura na obra múltipla “CASULO”.

Assim como muitos da minha geração, estou há anos lidando com crises externas e internas, referentes às dificuldades da vida adulta num momento de caos econômico, insegurança sobre o futuro, pandemia, conflitos políticos e saúde mental feito trapo devido à depressão, ansiedade & afins.

Mesmo tendo uma série de privilégios, não consegui me estabilizar de forma a conseguir manter qualquer fluxo produtivo em nada. Ciclos de inatividade, inspiração, frustração e desilusão foram me corroendo e toda a minha energia foi se direcionando para pura e simplesmente me manter “de pé” e não me deixar levar pelo sentimento de cair fora do mundo.

Frame de “Implosion”, vídeo de 2020.

Ainda sigo “low-profile”, me apoiando tremulamente na esperança de que as coisas vão melhorar, mas agora tenho um norte pra me puxar pra fora do fosso. Enquanto busco entender minha situação mental e achar um profissional que possa me guiar, me agarro no potencial e oportunidade que a arte tem de me ajudar a fortalecer minhas pernas e quebrar esse ciclo.

A principal “sacada” que levou à criação dessa obra não foi sobre “oh, a arte expressa e ajuda” e tal. Como disse, isso era algo que eu já sabia há muito tempo. Na verdade, foi perceber que eu poderia costurar uma série de coisas que me interessavam, e cujos conflitos internos eram um dos elementos da minha estagnação, nessa ideia de “obra múltipla”.

Foi entender que o tal “Dharma Fusion”, que eu tentava desenvolver há anos, é uma forma de me expressar por diversas ferramentas de uma maneira coerente e amarrada, sem ter que escolher apenas uma e deixar as outras de lado, “pra quando der”. Foi compreender que eu poderia usar diferentes tipos de arte e os diversos conceitos que embasam minha percepção para um objetivo em comum: o autoconhecimento.

E como eu disse aqui, essa é a chave pra gente entender nossos sofrimentos, nossas dificuldades, nosso caminho, e nos ajuda a juntar forças pra erguer a cabeça e seguir em frente.

Mas tia Anath, qual a diferença disso e simplesmente criar diferentes obras com o mesmo tema?”

Estrutura e direção.

A arte oferece todo tipo de experiência e várias opções de uso, desde algo que te leva ao êxtase ou ao nojo, à catarses emocionais e informações enterradas no inconsciente. E eu notei que, no meu caso, estava buscando algo mais específico. Da maneira que estou construindo, poderei experimentar todas as facetas que essa ferramenta tem. Expressar e extravasar, descobrir e compreender… E, principalmente, desenvolver e transformar.

Uma das fotos editadas da make “Clausura”.

Ao longo dos anos, sempre na busca de entender o que fazer pra sair do “ciclo estagnado”, voltemeia eu usava algum simbolismo pra descrever como eu me sentia, ou como eu via a minha vida naquele momento, pois às vezes, uma percepção mais abstrata nos ajuda a compreender a situação concreta da vida.

Era sempre algo similar: me sentia “presa”, como dentro de um “casulo” ou “ovo”. E eu discorria análises simbólicas desses sentimentos, de que eu estava vivendo um período de transmutação, metamorfose, em uma incubadora ou algo do tipo.

Isso me acalmava um pouco, no sentido de me perceber numa fase da vida em que eu precisava estar reclusa, pra tratar de mim, pra me encontrar, me desenvolver, me fortalecer. Tal como a lagarta, o passarinho ou o bebê.

Sempre parti do princípio de que, se você não está bem, as coisas ao seu redor refletirão isso. Assim como qualquer um não vai conseguir fazer seu trabalho direito se estiver fisicamente doente, a saúde mental tem o mesmo impacto na produtividade.

Porém, contudo, entretanto e todavia, eu me sentia cada vez mais incomodada, “agitada”, querendo “nascer” de uma vez. E aqui se instaurou um conflito: o de não saber, exatamente, qual era o meu “estado”, quando seria o momento de “agir”.

Me sentia presa, como se eu estivesse já grande demais pra caber no ovo. Uma outra metáfora que usava com frequência era a da cadeira com o prego: quando você está ali, sentado, sofrendo, mas não consegue levantar e sair, por mais que queira.

O principal combustível do conflito era a dúvida. Estaria eu pronta pra (re)nascer? Deveria eu quebrar a casca do ovo e sair voando? Por que eu não conseguia fazer isso? Estaria eu pronta, mas com medo de agir? Estaria eu ainda imatura, mas as pressões externas estariam me forçando a um nascimento prematuro?

Ter certo conhecimento sobre psicologia me fazia pensar em todas as possibilidades. É fato que o medo é paralisante e que eventualmente precisamos respirar fundo e encarar o mundo mesmo assim, mas é também fato que a sociedade atual não se importa com seu bem-estar e só pensa no seu valor enquanto alguém produtivo.

Vimos isso claramente nestes tempos pandêmicos, com pessoas morrendo por todo lugar, mas aos olhos do governo, “a economia não pode parar”.

E eu seguia estagnada. Por medo, por dúvida, por necessidade, por falta de energia.

“Shell”, edição artística.
Foto da performance “Isa”, 2018, por Fernando Espinosa.

Depois do insight, resolvi reunir criações que giravam em torno destes simbolismos. Considerei obras antigas, utilizei fotos de outras ocasiões, observei tudo na minha vida que eu pudesse associar, criar ou desenvolver. Ideias fervilhavam na minha cabeça – tanto que, possivelmente, criarei mais obras que não cairão muito longe desse tema.

Afinal, a vida é um processo, e ter tido todas essas sacadas não curou miraculosamente minha depressão e demais problemas.

Por exemplo, “Implosion”, vídeo publicado em 2020, foi criado no auge das minhas crises depressivas, refletindo o sentimento de sufocamento dessa estagnação, da paralisia e do peso do mundo me esmagando, sem ter para onde correr.

“Shell” foi uma das primeiras ideias que pipocaram na minha mente pra ilustrar a ideia do casulo. A foto original continuava a aparecer, insistentemente, na minha cabeça, e junto da “Novelo”, foram minhas experimentações com edição de fotos.

E a partir do desejo de explorar outras formas de arte além da dança, o desenho, a maquiagem e a costura estavam presentes.

“Asfixia” foi uma imagem que também estava faz tempo me acompanhando. O busto sem rosto, com um olho na garganta, cobertos de amarras. Aproveitei para começar a desenferrujar minha arte visual, há tempos abandonada, e a experimentar com arte digital. O resultado ainda é bem simples, mas é um começo.

“Clausura”, um mix de maquiagem e edição, também foi uma ideia que não saiu da minha cabeça enquanto não sentei e taquei na cara. Inicialmente era apenas a representação de um casulo, escuro, no centro do rosto, mas durante a execução do projeto, senti o ímpeto de inserir um “núcleo” dourado, e em seguida ainda se elaborou com um segundo centro, desta vez vermelho.

“Freedom of thought”, by psyca_art-db64ljt. Ilustrou o post original intitulado “Prisão de Nós Mesmos”, tempos atrás.

Cada uma dessas obras partiu de alguma ideia ou inspiração prévia, mas, ao mesmo tempo, fluída e espontânea, de forma que até hoje as contemplo sem entender totalmente. Há elementos que tenho alguma noção do que representam, embora ainda não sejam claros.

Por exemplo, na maquiagem, o centro dourado se liga ao simbolismo da luz interior, o brilho valioso que temos aqui dentro, e que também aparece lá no final, na obra “Silk”. Já o miolo vermelho, desconfio, são feridas ainda profundamente enterradas.

“Ressignificado” é uma foto de um cinturão que produzi, uma reciclagem de um cinto já velho, mas cuja estampa de serpente era algo que eu queria aproveitar. Foi a única coisa de “útil” que fiz em um desses períodos de estagnação. Dentro da obra Casulo, ele representa a arte da costura e o simbolismo da ciclicidade positiva, onde transformamos algo velho em algo novo. Podemos até puxar o simbolismo da troca de pele de cobra, uma renovação necessária que permite o crescimento da serpente.

Frame de “Silk”.

Por fim, “Silk” é a obra que mais destoa, mas que é de grande importância. Ela representa o conteúdo dentro do casulo, o tesouro que está sendo nutrido. Embora não seja sobre o nascimento, me permite enxergar o outro lado da moeda simbólica, a face positiva do período de inércia, que é justamente a percepção de autocuidado, de autocompreensão e autocompaixão. A necessidade desse tempo, o preparo do nascimento.

Ver nossa beleza e potencial mesmo nestes tempos de nigredo.

“Prisão de Nós Mesmos” era o título de um antigo post, escrito nas inúmeras tentativas de retomar o blog e o trabalho, e eu queria reutilizá-lo, pois essa frase sempre me soou interessante e seu conteúdo estava relacionado. Ele nomeia o texto onde exponho as obras, e representa a arte da escrita, que, neste caso, brinca com um fluxo diverso de palavras e narrativas.

E assim nasceu “CASULO” e, oficialmente, meu laboratório experimental “Dharma Fusion”. A arte de dar voz às variadas faces de você mesmo, guiado por associações pessoais e universais dos símbolos da existência.

A arte da capa, sem nome, foi uma experimentação de “colagem digital”. As imagens originais você pode conferir aqui: o rosto, a flor e a borboleta.


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