Afinal, o que é ‘arquétipo’?

Foto de Дмитрий Хрусталев-Григорьев na Unsplash

OLAR

Após um pequeno-mas-infelizmente-não-incomum hiato, sigo nas minhas tagarelices sobre meu Laboratório. Hoje lhes trago a minha visão de “arquétipo”, uma das ferramentas conceituais centrais das experimentações.

Acredito que você já deve ter topado com esse termo por aí, em variados cenários, e com todo tipo de explicação. Mas, a menos que você seja um estudioso no assunto, talvez não tenha entendido bem o que diabos é esse conceito.

Seus problemas acabaram! 😀

Hoje meu objetivo é explicar de uma maneira mais digerível algo que, na realidade, não tem como ser “visto”. Mas esteja ciente de que estas explicações refletem a maneira como eu compreendo o assunto, com a imagética que faz mais sentido para mim.

Vamos lá. :3

Primeiramente, temos que entender que arquétipo se refere a algo ao qual não temos acesso direto. Ou seja, é um conceito que fala sobre a forma mais básica de algo, a origem, a totalidade e soma de todas as partes, sobre aquilo a partir do qual algo se manifesta de inúmeras maneiras.

O termo foi bastante popularizado nos estudos de Carl Jung, sendo um fator central da Psicologia Analítica, mas existe desde pelo menos os tempos de Platão!

Vou começar com uma explicação mais simples e reducionista, mas que ajuda a ter uma noção inicial, e depois mostrarei a metáfora que mais prefiro e que acredito que descreve o conceito de maneira mais fiel. E pra fechar o post, falarei um pouquinho do porquê é interessante trabalhar com essa ferramenta num contexto de autoconhecimento. 😉

Foto de Joshua Fuller na Unsplash

A F(ô)rma de Bolo

Aviso: usarei acentos para diferenciar a “fôrma” da “fórma”.

Um bolo pode ter muitas configurações. Geralmente é doce, mas pode ser salgado. Costuma ter camadas intercalando a massa e o recheio, mas também pode ter apenas uma cobertura – ou nada mais. Pode ser úmido, seco, colorido ou totalmente homogêneo. Pode ser decorado ou esculpido de inúmeras maneiras, sendo apenas um lanche para se comer sozinho numa caneca ou o centro de uma festa de aniversário ou casamento.

Se eu pedir a uma multidão: “imagine um bolo”, certamente ninguém terá a mesma imagem em mente. Alguns pensarão no seu sabor favorito, outros lembrarão de uma ocasião especial em que havia um. Sem falar naqueles que pensarão em algum “bolo” que levaram de alguém. :p

Mas todo bolo vem de uma fôrma. Agora imagine que exista uma da qual absolutamente todos os bolos são feitos. Metaforicamente falando, ela é o arquétipo do bolo, pois é a origem da qual surgem todas as manifestações possíveis desse alimento.

Claro que, na realidade, fôrmas não podem representar um arquétipo, pois elas mesmas podem ter muitas f(ó)rmas. E se fôrmas podem ter muitas fórmas, não podem ser um arquétipo, por definição.

Essa analogia é uma maneira simples de introduzir essa noção de algo “original” a partir do qual toda uma determinada “categoria” surge. Há o arquétipo do bolo, do cavalo, da cadeira, do ser humano, da amizade, da árvore, do oceano, do rio, do rei, do filho, da montanha, do vento, do olho, do pé, da aventura, da morte, da risada, da irmã, da destruição, da vitória, do amor, do gênero, da narrativa… o céu é o limite. Ou melhor, não, não há limites para o universo das formas.

Entretanto, como a natureza de um arquétipo engloba TODAS as manifestações possíveis de algo, nossa mente é incapaz de gerar uma imagem ou descrição direta. Qualquer tentativa de fazer isso vai ser, no final das contas, apenas um exemplo, uma das muitas fórmas de manifestação, e não o arquétipo em si.

Por exemplo, a fôrma de um bolo pode ser redonda, triangular, grande, pequena, rasa, funda, ou ter um formato específico. Não é possível desenhar a “fôrma arquetípica”. Aí vem a necessidade de elaborar a metáfora, para podermos entender melhor esse conceito e sermos capazes de observar ele na nossa realidade, na nossa vida e no mundo.

Foto de Susan Wilkinson na Unsplash

Arquétipos são padrões.

Padrões que se manifestam em todos os níveis da nossa realidade. Nós, enquanto criaturas curiosas e pensantes, organizamos isso tudo em conjuntos de caraterísticas interconectadas, damos um nome e, muitas vezes, um rosto. Deuses, por exemplo, são arquétipos personificados.

Porém, é importante frisar que esses padrões não são rígidos nem limitados, e nossa percepção deles pode variar bastante. Basicamente, há sempre exceções à regra – e tais regras são criadas culturalmente. Além disso, tudo pode ser muito subjetivo e estar amarrado a referências pessoais e temporais, o que pode fazer com que não reconheçamos algo bem na nossa frente, pois não reflete as descrições que estamos acostumados.

Por isso é interessante termos uma noção de como “funciona” esse conceito. Do contrário, corremos o risco de ficarmos engessados em listas genéricas sobre determinado arquétipo – que podem, ou não, incluir o que vivemos na nossa vida.

A Esfera Potencial

Ao longo dos anos fui experimentando com diversas metáforas visuais, tentando encontrar uma que ilustrasse a “essência” desse conceito, e que pudesse ser aplicada em qualquer contexto. Cá está:

Metáfora visual de um arquétipo, criada por mim, editada a partir da esfera poligonal baixada do site Shutterstock.

Essa esfera é uma metáfora visual do que chamo “unidade arquetípica”. O centro (em magenta) representa a essência que não podemos ver diretamente, e que se projeta em cada faceta da “casca”, que é o que percebemos. Cada polígono é uma expressão diferente do arquétipo em questão, e o conjunto de faces representa todas as manifestações possíveis dele.

Aplicando na metáfora anterior, o centro da esfera é o “arquétipo do bolo”; cada uma das faces do polígono terá um tipo de bolo; a esfera conterá todas as formas possíveis de um bolo.

Elaborando um pouco mais, vamos pensar em panteões de deuses em diferentes culturas. Quem gosta de mitologia já deve ter percebido que muitas coisas se “repetem” na história mítica dos povos. Essas repetições ilustram as conexões arquetípicas, que muitas vezes emergem nas tradições locais sem nenhum contato prévio com outras (o que levou Jung a desenvolver o conceito de inconsciente coletivo).

O canal CrashCourse no YouTube tem uma playlist muito bacana só sobre mitologia! Tem legendas em português. 😉

Por exemplo: existem diversos deuses associados ao reinado e autoridade; ao submundo e morte; deusas associadas ao amor e fertilidade; colheita e ciclos; ou guerra e destruição. Existem várias diferenças entre eles, mas a semelhança em suas funções, características e comportamentos revelam esse cerne em comum, essa essência a partir da qual se manifestam. Em suma, um arquétipo.

O Papel do Arquétipo na Individuação (e no Dharma Fusion)

Ok, legal, mas qual a utilidade desse conceito?

De uma maneira geral, você já está em constante contato com situações que usam arquétipos como base. Muitos artistas, em especial escritores, usam e abusam dessa ferramenta para construir seus personagens e as aventuras que você consome. Algumas empresas usam testes de personalidade para avaliar candidatos à vagas, e muita gente faz julgamentos baseados em signos astrológicos. Em ambos os casos, estão utilizando coisas que ilustram padrões potenciais de comportamento.

Em um contexto de autoconhecimento, muitas vezes atrelado à práticas terapêuticas, arquétipos podem ser utilizados tanto como fonte de informação quanto ferramenta vivencial.

Podemos descobrir que nosso comportamento é parecido com determinado padrão, e então refinar nossa percepção das nossas ações; que nossa vida tem a presença excessiva de uma energia específica, nos fazendo buscar formas de equilibrar o exagero; ou ainda, nos permite ir atrás de vivências com arquétipos que parecem alienígenas ao nosso ser.

No Processo de Individuação, que nos leva a querermos nos tornar mais completos, é imprescindível que tenhamos consciência do que está exagerado ou intenso demais, e o que foi negligenciado ou jamais vivido. Descobrir os arquétipos mais presentes na nossa vida nos ajuda a entender nossas tendências e nos dá um norte sobre o que devemos buscar para atingir um equilíbrio, que certamente se manifestará em todas as esferas da tua vida.

Foto de Alice Yamamura na Unsplash

E é por isso que arquétipo é uma ferramenta central nas experimentações do meu Laboratório, pois permite trazer temas e assuntos com muita facilidade e potencial criativo para vivenciá-los. Vem comigo experimentar! 😀


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